Lindos e aristocráticos vegetais


"Todas as ilhas, todas as margens, todas as penínsulas, toda a terra, em suma, daí para o jusante, povoa-se desses lindos e aristocráticos vegetais. Dir-se-ia rolarem para o banho da maré atlântica, de fluxo e refluxo, que desse ponto para a nascente se faz sentir, tal o florescimento, a pompa, o esplendor deles nas restingas e coroas. Há ínsulas fechadas de miritisais, verdadeiras paliçadas gigantescas, que ostentam no alto, como frisos esmeraldinos, os flabelos agitados pelo vento.
E mal se penetra o arquipélago, seja pelo norte de Marajó, conhecido por Ilhas de Fora, seja pelo sul, conhecido  por Ilhas de Dentro, as palmeiras, numa orgia floral, reproduzem-se em mil formas, em mil tamanhos, em mil nuanças. De surpreendentes e altas cabeleiras, ora desgrenhadas como espanadores, ora ameaçadoras como cabeças de Medusa, ora harmoniosas como repuxos de verdura, elas minguam, reduzem-se aos tipos arbustivos, tufos rasteiros de palmas e plumas sob os quais zunem os grilos e chiam as cigarras.
Aqui, de troncos retos, esbranquiçados, pardos, escuros, manchados; ali, em corcovas, em anéis, em arcos; além, trepando pelo caule das árvores, invocam serpentes monstruosas que tivessem glaucas orelhas de burro. Lisas numa espécie, enrugadas noutra, sem acúleos nesta, espinhentas naquela, amigas da claridade hoje, dadas à penumbra amanhã, as palmeiras amazônicas não somente guardam o sentido da Planície, pelas transformações que sofrem de dia para dia, como pelos deslocamentos que lhes imprimem as correntes fluviais, as marés oceânicas, levando-as dum extremo a outro, transplantando-as, alterando-lhes a estrutura, o colorido, o porte.
Além dessa mobilidade proveniente da ação hídrica, força viva e constante no vale, elas varam, pela mão do homem, do seu habitat agreste para os povoados, para os vilórios, para as cidades, e vão, numa apoteose peregrina, abrindo os leques nos jardins, nos parques, nas ruas, nas salas, nos templos. É um molde de beleza que se topa em todos os ângulos da bacia. A clorofila que as atinge, nuançada em mil tonalidades, dilui-se no azul, no cinzento, no roxo, no pardo, no vermelho. Na concorrência em busca do sol, esses indivíduos chegam-se tanto às margens, que representam, naquele lance geográfico de planura, vizinho do mar, a terceira manifestação vegetal de qualquer terra nova. Nos furos, nos canais, nos poções, nos igarapés dos verdejantes Estreitos de Breves, parece haver, pelo decorativo da palmeira, uma eterna festa da Primavera, tal a ornamentação da selva". Raimundo Morais (1872-1941). Paiz das pedras verdes. 1930. p. 98-100.


Astrocaryum farinosum.
Rio Yatapu, primeira cachoeira.
J. Barbosa Rodrigues. Sertum Palmarum Brasiliensium, 1872.

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