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Mostrando postagens de dezembro, 2017

Uma orquídea nos galhos de grande árvore

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"A tarde estava sombria, com toda a aparência de chuva; mas, quando surgiu a lua, clareou e tornou-se bela a noite. Rede e poncho estavam ainda demasiadamente úmidos para neles dormir; por isso me deitei no alto de duas malas, com os arreios por travesseiro, ao pé de grande fogo que havíamos feito antes. Na manhã seguinte, oito de setembro, continuamos o caminho, parando às onze horas sob umas árvores à beira do rio. A rota era agora em uma região mais rica que as que eu vira até então na província, coberta de matas na maior parte cheias de folhagem. Perto das casas, que apareciam mais numerosas que  até aqui, vicejavam grandes plantações de algodão, fumo, cana de açúcar e mandioca.  Nos galhos de grande árvore junto da estrada apanhei a primeira orquídea que havia visto na jornada, uma espécie de Oncidium , comprida e de folhas redondas. A árvore em que crescia era o umari [...], mas a orquídea só crescia no lado inferior do galho, com as longas folhas pendentes como ou

Maria-é-dia

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" Jovial e madrugadora, maria-já é-dia ou marido-é-dia, não permite que ninguém demore no leito, depois que a madrugada começou a roçar sua clâmide de luz pelos cabeços dos montes. Então enche a manhãzinha de gritos: maria-é-dia, maria-é-dia, convite amável para deixar o tépido aconchego dos lençóis e admirar o espetáculo sempre único do dia que desabrocha como uma flor, e cuja duração é regulada pelo subir e descambar do sol. Maria-é-dia ama as claridades solares, e quem sabe se à noite não olha ansiosa o tranquilo caminhar das estrelas, perscrutando, saudosa, os primeiros albores da madrugada. O certo é que não há dia que nos chegue, sem que ela deixe de anunciá-lo alacremente. Seu aspecto é de um pequeno bem-te-vi, ao qual se desbotassem as penas do cucuruto, que não são amarelas, mas esbranquiçadas. O dorso é, entretanto, pardo oliváceo, garganta cinzenta clara, mas o amarelo do ventre é desmaiado [...]. Em matéria de ninho, ninguém lhe dá conselhos e sabe fazê-lo co

Uma viagem iluminada pela lua

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"[...]. Deslizamos pela sinuosa corrente abaixo, passando sob enormes árvores curvadas sobre a água, e logo desembocamos no Murucupi. Poucos metros adiante, entramos no Aitituba, um canal mais largo. Atravessamos esse canal e entramos em outro estreito braço de rio, no lado oposto. Ali a maré estava contra nós e tivemos muita dificuldade em prosseguir a viagem. Depois de lutarmos contra a forte corrente numa extensão de três quilômetros, chegamos a um lugar onde a maré tinha mudado de direção, o que indicava que havíamos atravessado a linha divisória das águas. A maré flui para dentro desse canal vindo das duas extremidades simultaneamente, encontrando-se no seu centro, embora não haja aparentemente, diferença de nível e a largura do canal seja a mesma. As marés são extremamente complexas em toda a vasta rede de canais e riachos que cortam as terras do delta amazônico. A lua apareceu nesse momento e iluminou os troncos das gigantescas árvores e a ramagem da colossal palmeira ju

Verdadeiros jardins suspensos

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"[...]. Entre o solo triste dos deserdados e o alto das franças floridas há um andar intermédio, onde se apresenta uma outra vida luxuriante e multicor, verdadeiros jardins suspensos, constituídos por plantas que nas árvores gigantescas foram apenas buscar um pouco, bastando-lhes o pouco de terra que se acumula entre dois ramos, a umidade retida pelas raízes emaranhadas. É o andar das epífitas, orquídeas de flores caprichosas, gravatás de brilhante colorido, e outras, e outras muitas. Aqui e ali, rompendo a dureza de um tronco, surge a despeito da treva e da umidade, muito abaixo das suas irmãs felizes das alturas, uma flor que vem buscar a fertilização num mundo diferente, por asas diversas das que voluteia, visitando as outras  flores de sua espécie". Cândido de Mello-Leitão (1886-1948).  A vida na selva . 1940. p 9-10. Orquídea  Comparettia falcata Lindenia-iconographie des orchidées, v. 4, 1888 www.biodiversitylibrary.org

Uma formidável tempestade

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"Nessa tarde, quando regressávamos, uma formidável tempestade surpreendeu-nos na mata. O mar de frondes verdes encapelara-se de súbito, estopetado por ventania louca, que ululava com voz rugidora e ameaçante. Os pegões eram contínuos e ia no ar a zanguizarra das franças atritadas e o remoinho das folhas soltas e dos galhos partidos. Por vezes, tinha-se a impressão de que as árvores não resistiriam às lufadas mais fortes, que lhes vergavam os tronos e torciam as ramas, abrindo clareiras por onde se divisavam nesgas de um céu de chumbo. E fez-se a noite na floresta, uma noite espessa e tormentosa, entrecortada apenas de onde a onde pela fosforescência lívida dos relâmpagos. As bátegas caíam pesadas enquanto os trovões restrugiam sobre as nossas cabeças, aumentando a atoarda do furacão em que se ouvia o alarido de mil bocas em rinchavelhadas histéricas, uivos, urros e assobios. Não seria maior a algazarra se uma multidão de gigantes andasse às soltas, resfolegando uma pocema de gu

Os perfumes da mata

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"[...]. Quantos mesmo estando acostumados a mata olham sem ver tudo o que nela existe! A baunilha que abraça amorosamente o tronco da mungubeira e deixa cair generosamente, das gordas favas, gotas de mel, onde as formigas se encharcam e se besuntam. Mais adiante, o "cipó catinga" enlaça troncos impregnando do seu perfume as cascas sarabulhentas e inodoras de certas árvores. A japana, além de medicinal, possui um cheiro doce e agreste, cresce à beira dos caminhos e dentro delas saltam gafanhotos muito verdes e coleópteros com salpicos. O sol, aos poucos, sacudia o seu torpor e esquentava até as tocas das cotias, acendendo a mata de luz, calor, perfumes, cantos de pássaros, gritos de macaco e ilas, murmúrios diversos; insetos, vermes e repteis, vêm voar e deslisar gostosamente por onde pousa o sol. [...]. E. Costa Lima. O filho da cobra grande . 2. ed. 1944. p. 117-120. Baunilha. Vanilla planifolia ,  Denisse, E. Flore d´Amérique , t. 94, 1843-1846.  www. planti

Os notáveis cipós

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"[...]. Mas os cipós ainda se tornam notáveis por muitos outros aspectos. Há alguns que, como o já citado cipó-d´água e o ituá-açu, são a providência dos que se perdem na mata. Quando de qualquer deles se corta rapidamente um pedaço da haste, mais ou menos um metro, que também sem perda de tempo, deve ser logo virada para baixo, de tal modo que a sua extremidade superior passe a ser inferior, desta se escoará boa quantidade d´água, sempre límpida e fresca, apenas ligeiramente ácida. Vários se recomendam pela beleza das suas flores ou pelo delicado sabor dos seus frutos, quando não reúnem as duas coisas, como acontece com os numerosos maracujás. Outros serão aproveitados pelas qualidades estimulantes ou medicamentosas de suas sementes e, entre estes, vale por todos o guaraná. Ainda outros, pela tinta que se extrai das suas folhas, como o carajuru, ou pelos violentos tóxicos que se conseguem dos seus caules e raízes, como o dos Strychnos , que entram na composição do curare, e de