O Uirapuru e o seu canto que trás felicidade


"Quando o sol pende do zenith e a floresta aquecida rescende a todas as essências preciosas, que são o hálito e a fragrância da seiva rica de muitos vegetais, o Uirapuru aproxima-se das estradas ou das clareiras abertas no matagal sem fim, e desprende as primeiras vibrações, que atraem, reúnem e selecionavam uma assistência imensa de vates emplumados, alguns dos quais tomam parte no concerto, como figuras combinadas em afinações naturais, que formam e disciplinam encantadora orquestra voejante.
Então, começa prestes, a execução das melodias estranhas, que nos chegam como ondas de harmonias, que etéreos fluídos trouxessem dos céus, para se espiritualizarem, sob a abóboda verde do arvoredo.
Mas, daquela melopea excelsa, que se estende por uma, duas e mais horas seguidas, e mesmo quando principia em conjunto, após instrumentação garganteada em coro com outros artistas alados, a meio, em diante, somente se ouve o sopro flautado, enlevante, do músico-cantor inexcedível que, nesse momento, nem mais parece uma criatura da terra, porém, um gênio dos contos de fadas, tocado pela varinha miraculosa e inspiradora.
E a canção melodiosa derrama-se por grande extensão do bosque, transpõe balsedos e campinas e, seringueiros, caucheiros, castanheiros, vaqueiros, agricultores, mateiros simples, caçadores ou visitadores da floresta, que a ouçam, todos param, embevecidos, enlevados, para melhor continuar a eutímica audição daquelas notas sonoras, em cujos acentos e magias divinais, se prendem, encantados, enfeitiçados, felizes!
Tudo, então, naquele trato da mata, se embriaga nos eflúvios musicais da sinfonia cariciosa e vive tão somente para ouvi-la, escutá-la, morrer com ela!
As próprias árvores parece que se enlevam nos acordes da consonância insólita e benéfica!
O canto do sabiá, os gorjeios do gaturamo, as notas cristalinas da graúna, o cantar ameno dos caboclinhos, a melodia inspirada dos nossos rouxinóis, o soluço da juriti e o das rolas, as suaves modulações do azulão, as vibrações metálicas da araponga, rapsódias e cantos inéditos, ainda nunca ouvidos, no mundo das aves, tudo o Uirapuru seleciona, diviniza, e entresaca nas partituras sublimes, que ele garganteia inspirado como se tivesse no peito um instrumento do céu!
E é por isso que o seu canto trás a felicidade e a fartura nos lugares por onde se desprende. [...]". Aldo Guajará. De Bubuia: aspectos e assumptos regionais paraenses: Folk-lore. 1925, p. 136-137.
 
 
 
Uirapuru.
 Ilustração de John Gerrard Keulemans (1842-1912)


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