Borboletas amazônicas


"É tão excepcional o aspecto miraculoso do mundo amazônico, que os próprios sábios, no meio das frias deduções científicas, sentem-se arrebatados, de vez em quando, para os domínios da fantasia, como se estivessem subindo a luminosa escada de Jacó de um grande enlevo poético.
Foi o que aconteceu a Frederico Hartt, ao descrever complicada geologia amazônica. Quando se viu, inesperadamente, alcandorado nas regiões do sonho, ele próprio advertiu-se de que devia voltar à realidade, dizendo que não era poeta, e devia por isso, falar a prosa desataviada de uma ciência.
A mesma coisa deve ter acontecido a Emílio Goeldi, quando viu, na Amazônia, pela primeira vez, o espantoso fenômeno migratório das borboletas.
Já anteriormente, o naturalista Bates, no Baixo Amazonas, sentira-se maravilhado com um espetáculo semelhante. Durante um percurso de oitenta milhas, viu sempre a fervilhar no espaço, miríades de borboletas, em bandos de trinta e oitenta metros de largura, atravessando continuadamente, o rio. Igual deslumbramento teve Spruce na barra do rio Xingu.
Esse magnífico espetáculo, do extraordinário paná-paná  amazônico, tem causado a maior admiração a todos os homens de ciência que perlustram pela Amazônia.
E o antigo diretor de nosso museu, afirma que na Europa, a aparição de tais fenômenos, aliás sobremodo reduzidos, é registrada pela imprensa, "como uma curiosidade a toda prova", ao passo que na nossa Região, esses movimentos migratórios, além de serem comuns, assumem proporções inconcebíveis.
No volume 4o. do Boletim do Museu Paraense, Emílio Goeldi descreve um grandioso paná-paná que tivera oportunidade de observar quando viajava pelo rio Capim.
Desde o amanhecer até o meio-dia, via-se subir, continuamente, por uma das margens do rio, uma formidável coluna de borboletas amarelas, pertencentes, na sua maioria, à família dos pierides.
Parecia que enorme multidão de lepidópteros não tinha começo nem fim e que a todo momento novos contingentes surgiam sem se saber de onde.
Do meio-dia em diante, porém, até a tardinha, a enorme e inquieta caravana descia pela margem oposta. Por vezes, o vapor em que ele viajava era envolvido, horas a fio, numa fantástica profusão de asas trêmulas, como se estivesse debaixo de uma doirada chuva de pétalas animadas.
Durante toda a viagem, que durou quase uma semana, o eminente naturalista presenciou, diariamente, esse soberbo espetáculo. De vez em quando, do grande exército alado, destacavam-se fortes colunas que se internavam na mata, de onde já vinha surgindo outros pelotões para se incorporar na coluna central que voava sobre o rio. Esses destacamentos parciais que ingressavam na floresta iam sugar o mel das flores do Arapari, imensa árvore que viceja nas selvas marginais dos rios.
Em quase toda a Região Amazônica, os movimentos migratórios de borboletas operam-se de junho a julho.
E esse turbilhão de asas palpitantes, numa louca inquietação febril, entre continuados banquetes de mel e perfume, celebra, anualmente, no seio das matas amazônicas, a festa perene do amor e da alegria.
Dizem os entomologistas, que a Amazônia não é somente o paraíso das borboletas, mas a única parte do mundo onde se encontram os mais raros e belos  exemplares destes insetos e o maior número de espécies. E em verdade, nas grandes monografias de História Natural, as páginas mais brilhantes sobre o colorido capítulo dos lepidópteros devem pertencer, inquestionavelmente, à Região Amazônica. [...]. Eidorfe Moreira (1912-1989). Obras reunidas de Eidorfe Moreira. 1989, v. 1, p. 49-51.
 
 
 
Borboletas.
Aquarela e grafite sobre papel de Henry Walter Bates (1825-1892)  - 1851-1859.
Original da viagem à Amazônia com Alfred Russel Wallace.


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