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Mostrando postagens de setembro, 2016

Orquídeas preciosas

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"[...]. Ergueu-se e apanhou a flor. Quanto valeria aquilo em Portugal? E a mata estava cheinha delas! Eram orquídeas preciosas, de recorte bizarro e cores surpreendentes, cataléas de pétalas tersas de lírio, que tinham algo de sexo virgem e fascinavam como uma ilusão. Parasitárias, as raízes que lhes davam vida prendia-se, como tentáculos, a caules de seiva rica e nunca mais desfaziam o abraço. E o drama não era único. Metade da selva vive da outra metade, como se a terra não bastasse para o império vegetal e fosse necessário sugar as árvores que chegaram primeiro. Não havia ramagem que não alimentasse, com o próprio sangue, o seu parasita - as grinaldas estranhas que a envolviam. O apuiseiro de vasta bibliografia, levava mais longe o seu despotismo: a princípio, era semente anônima, pousada numa forquilha; depois, raiz bamboleante e humilde, procurando, a medo, a terra distante e, por fim, devorava toda a árvore, até ficar sozinho. Na sua mudez, aquele mundo vegetal tinha feroc

"Se eu soubesse cantar, cantaria a banana..."

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"Santa Maria de Belém ficava a alguns quilômetros do delta do rio Pará. Belém (não Pará, porque Grão-Pará era o nome do estado, não uma cidade) tinha, vista à distância, um aspecto notável. Era imprensada pela mata, dramático fundo de quadro para aquela congérie de edifícios brancos com seus telhados vermelhos. Spruce  desembarcou no cais; "um tanto parado", opinou ele a respeito. Andou pela esplanada  sombreada por mangueiras e figueiras malditas, passou pelos prédios de dois andares, por soldados ociosos carregando negligentemente suas carabinas. [...]. Um esplêndido papagaio vermelho e verde soltava seu grito estridente e rouco ao sol poente. [...]. Em 1849 grandes esperanças  se nutriam a respeito de Belém. A cidade era o entreposto do Amazonas e com toda a probabilidade se tornaria um vasto empório para o escoamento da riqueza da grande bacia. Enquanto Spruce colhia plantas que ornavam a cidade, já se comentava a respeito daquilo que o barco a vapor iria fazer p

Museu Goeldi publica nova edição do seu Boletim de Ciências Humanas

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Museu Goeldi publica nova edição do seu Boletim de Ciências Humanas   O segundo número de 2016 trata das relações de grupos humanos com a natureza e a tecnologia   Está no ar a nova edição do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi - Ciências Humanas, do quadrimestre maio-agosto de 2016. É o segundo número da fase totalmente eletrônica de um dos periódicos científicos mais antigos do Brasil, cujo conteúdo pode ser acessado em site próprio e “folheado” no Issuu . A edição trata da relação entre as pessoas e a natureza, focando principalmente no uso de recursos naturais.  A maioria dos artigos trata da pesca, discutida a partir do Amapá, na Amazônia, e de águas sergipanas e pernambucanas, do Nordeste brasileiro. São abordagens plurais sobre um mesmo ofício, que abarcam inclusive a perspectiva feminina, muitas vezes invisibilizada quando o assunto é pescaria. Tratada principalmente como meio de sobrevivência, a pesca é abordada também como meio de convivência, entre homens, m

Dois tucanos curiosos

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"Na primeira noite, penduramos nossas redes nas árvores que rodeavam um lago encantado. Eu não pude dormir porque prestava atenção aos sons mágicos da floresta adormecida. Somente as árvores dormiam, pois o lago estava acordado, borbulhante de peixes que saltitavam, enquanto o coral de sapos intrometia-se no lamento triste dos pássaros noturnos. Passamos nossos dias na floresta assimilando a beleza das árvores frondosas e das criaturas que viviam sob suas copas. Uma aranha marrom e peluda que se alimenta de pássaros agarrou-se ao ronco da árvore na qual eu estava encostada; um camaleão com o papo do tamanho de uma bola laranja lutava para engolir um bicho-folha tão grande e verde quanto ele próprio; dois tucanos curiosos, pousados em um galho, acompanhavam nossos gestos, com divertido interesse, enquanto lutávamos para alcançar um broto de orquídea branca que foi desalojado pelo temporal da noite anterior, ficando embaraçado em um cipó. [...]". Margaret Mee (1909-1988). F

As marrequinhas em revoada

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"[...]. O guincho da gaivota... é  sempre decorrente dum susto. Quando alguém se lhe acerca da ninhada posta nas praias, cuja eclosão sob a luz do sol vigia, o grito materno ecoa no ar, agredindo mesmo o desavisado que lhe toque na postura. As marrequinhas  ( Dendrocygna discolor ) também, debaixo das noites escuras e principalmente chuvosas, advertem o navegante, numa revoada coletiva que elas deslizam na corrente sobre um tronco de pau. O grito da marreca pela proa do  navio indica, pois, uma árvore flutuante. Isto determina o sustamento da marcha dos vapores na rede hidrográfica da bacia amazônica". Raimundo Morais (1872-1941). O homem do Pacoval. s.d., p. 247.     Marrecas. Augusto Ruschi. Aves do Brasil. v. 2, 1986. Ilustrações de Etienne e Yvone Demonte 

Esse complexo mundo vegetal...

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".[...]. Contudo, não serão apenas os cipós que concorrerão para o fausto da floresta amazônica. este dependerá também do prodigioso número de epífitas que abarcam troncos, cravejam ramos e afestoam galhos. Algumas, como o apuizeiro, revelam-se implacáveis algozes das suas vítimas; outras, verdadeiramente inofensivas, fazem-se mesmo magnânimas, recompensando com uma floração esplêndida o bom gasalhado que lhe deram as companheiras, o que acontece com a linda cebola-brava e com quase todas as orquídeas. Mas ainda a legião das Aráceas e Bromeliáceas, aquelas servindo-se do raizame aéreo para mandar amarras para todos os lados estas abrindo rosaças de verdes crus e vermelhos vivos na forquilha dos troncos vetustos, que também disfarçam as suas rugas sob a policromia de fetos, fungos, algas, musgos e líquens. E é tal a profusão desses hóspedes que só  num exemplar de grande árvore já se contam oitocentas espécies de outras plantas. Schomburgk também colecionou quatorze orquídeas d

Imperial Arsenal de Marinha em Belém do Grão-Pará

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"A nordeste uma ponta das florestas do continente projeta-se, logo abaixo da embocadura do Guamá, no Rio Pará, sobre a qual se estende a cidade de Nossa Senhora de Belém, [...]. Do ancoradouro vê-se no ângulo agudo na direção do Guamá, erguer-se das águas uma alcantilada colina coroada por um grupo composto de altos edifícios que as altas torres da catedral sobrepujam. Daí por diante a cidade bastante vistosa estende-se por mais um quarto de milha pela margem plana de rio acima, até extremar-se novamente num ângulo obtuso com as florestas da terra firme. Um pouco acima da cidade fica o Imperial Arsenal de Marinha, onde vimos uma fragata, cujo cavername, embora estivesse no estaleiro havia já dezessete anos, ainda não estava revestido. Deste estabelecimento - infelizmente muito pouco importante, não obstante estar melhor colocado do que em nenhum outro ponto da terra, pois que nem um milênio se acabará aqui a madeira de construção - segue uma magnífica aleia de umbrosas manguei

Os troncos caídos começam a impedir nossa passagem

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"Voltamos a empurrar as montarias sobre as rochas dos rápidos. Um pouco a montante, deparamos com outro pequeno travessão, transpondo-o pela brecha central. O rio aqui não passa de um riacho. Ainda há castanheiros nas margens, mas agora já se tornam mais raros. Os troncos caídos começam a impedir a nossa passagem. Para transpô-los, temos que carregar as montarias, passando-as por cima deles. Quando elas são repostas na água, estão de tal modo descalafetadas que se encheriam em poucos minutos, se não tivéssemos o trabalho de embuchar rapidamente os orifícios maiores E os "secos" vão-se sucedendo, apresentando, em determinados trechos, nada mais do que 20 centímetros de profundidade. Frequentemente somos obrigados a transportar nossa pequena carga por terra. As montarias vazias são arrastadas e empurradas à mão pelos homens, que seguem pela incerta rota do riacho, no fundo do qual passeiam as raias venenosas". Henri Coudreau (1855-1899). Viagem a Itaboca e ao

O nascer do sol refletido pelas águas do rio

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"Não impressiona menos o nascer do sol, por detrás da mata, refletido pelas águas do rio. Águas negras, brilhantes, mansas e quase impenetráveis pela nossa visão. Neste caso, é a madrugada fria, calma, com a neblina abundante a sair por entre a vegetação. Por cima, o céu estrelado mostrando-nos a boiuçu, as Três Marias, o Cruzeiro do Sul, e uma infinidade de outras estrelas e constelações. A lua em crescente, muito pálida a lançar sua luz sobre a imensidão desabitada. No fundo, para o nascente, um foco vermelho que se agiganta a cada instante. Daí a mais alguns minutos, o astro-rei que sai com todo seu esplendor, aquecendo e dando vida à natureza. A faina começa com o chilrear dos pássaros, os roncos possantes dos bugios, os bacuraus procurando alimento. São as araras ou papagaios que passam, um tucano que chama o companheiro ou um boto que aparece na superfície. Aos poucos, aquela mata surda enche-se de sons e a luta pela vida atinge talvez o seu máximo para regredir novament